Juliana Domingos de Lima
Nexo, 24 Abr 2019
Guia oferece sete itinerários que indicam locais marcantes para a biografia e a literatura de autores
A capital argentina é famosa por apresentar a maior quantidade de livrarias por habitante no mundo. Além de uma cidade de leitores, Buenos Aires foi também o endereço de grandes escritores – ou o cenário adotado por eles em seus livros.
Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Victoria e Silvina Ocampo, Ernesto Sabato, Ricardo Piglia e Alfonsina Storni, entre muitos outros. Com lançamento marcado para 15 de maio de 2019, o guia “Buenos Aires, livro aberto”, de João Correia Filho, pretende fazer jus à história literária da cidade, propondo itinerários inéditos para conhecê-la com base nas vidas e obras de seus escritores. Para o autor, eles são, aliás, “os melhores guias do mundo”.
“Eu me apoio na sensibilidade de pessoas que realmente conseguiram olhar para a cidade, que refletiram sobre ela a ponto de incluí-la em seus livros”, disse Correia Filho ao Nexo. “Buenos Aires, livro aberto” é o quarto livro de viagem de João Correia Filho, que também é autor de “Lisboa em Pessoa”, vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Turismo em 2012, “À luz de Paris” e “São Paulo, literalmente”, todos os três publicados pela editora Leya.
Financiamento coletivo
O livro será lançado de forma independente, com uma campanha de financiamento coletivo via Catarse e com apoio à Rede LiteraSampa, formada por bibliotecas comunitárias e escolares de São Paulo e que tem por objetivo fomentar a leitura literária. É possível contribuir com a campanha até 29 de abril de 2019, adquirindo o livro em diferentes pacotes de recompensa, que incluem brindes, exemplares autografados, palestra e workshop com o autor. Durante a pré-venda, cinco por cento do valor arrecadado será destinado às bibliotecas da Rede LiteraSampa.
Os roteiros
Escrito em primeira pessoa, o que permite digressões do autor e um contato mais direto com o leitor viajante, o guia se divide em sete itinerários. Seis deles tratam de bairros centrais da cidade – Montserrat, San Nicolás, San Telmo e La Boca, Retiro, Recoleta e Palermo. O sétimo e último trata especificamente de Julio Cortázar e do bairro Agronomía, onde o autor viveu na juventude.
“No roteiro de Agronomía, parto de um conto importantíssimo de Cortázar, chamado ‘Ônibus’, do livro ‘Bestiário’, em que ele faz uma viagem de ônibus que começa nesse bairro e vai até a Praça San Martín, no bairro do Retiro. Os dois personagens [do conto] pegam o ônibus quase em frente à casa onde morou Cortázar. Refaço esse caminho do conto, mostrando os lugares que ele cita, como o Cemitério da Chacarita”, disse ao Nexo. Palermo é identificado no guia como o “bairro do Borges”, porque foi onde o escritor viveu e pelo fato de sua obra ter muitas referências ao bairro, que, em sua época, era a periferia da capital argentina.
Por ser de fato um guia, a edição traz mapas – encomendados especialmente para o livro – e serviços dos lugares indicados. Há, ainda, fotografias da cidade produzidas pelo autor e um caderno de anotações que permite ao leitor registrar suas próprias impressões de viagem. A pesquisa de Correia Filho envolveu uma bibliografia de mais de 90 livros, entre obras literárias e biografias, e também trabalho de campo na cidade. Segundo o autor, além de apresentar ligação forte com a literatura, Buenos Aires tem a característica de preservar e valorizar muito a relação com seus escritores.
“Buenos Aires tem uma série de cafés notáveis, que têm uma importância histórica e cultural para a cidade. Muitos deles são do final do século 19, e estão preservadíssimos. Uma outra grande parte é do início do século 20”, disse Correia Filho ao Nexo. Essa lista de cafés notáveis, que inclui também cafés mais novos, tem mais de 70 estabelecimentos. Em comparação, o jornalista afirmou não ter encontrado praticamente nenhum café literário do século 19 e início do século 20 que tivesse sido preservado em São Paulo, quando fez sua pesquisa para o livro “São Paulo, literalmente”.
“Para não dizer que não há nenhum, tem o Paribar, atrás da Biblioteca Mário de Andrade, que teve seu auge nos anos 1950, quando era frequentado por Sérgio Milliet, Marcos Rey e outros, ficou fechado e voltou nos anos 2000”, disse o autor.
“Inaugurado em 1954, o London City é um bar e confeitaria bastante frequentado por portenhos em busca de um lugar calmo em meio ao movimento frenético da Avenida de Mayo e por visitantes atraídos pela relação do estabelecimento com o livro ‘Os prêmios’, lançado por Cortázar em 1960. A trama cortaziana inicia-se num bar do centro da capital, quando um grupo de pessoas comemora a vitória em um prêmio que dava direito a um cruzeiro de navio.
Em certo momento, o estabelecimento é citado nominalmente: ‘Não era fácil conversar àquela hora em que todo mundo estava com sede e entrava no London sacrificando o último sopro de oxigênio pela duvidosa compensação de um meio litro ou de um Indian Tonic. Já não havia muita diferença entre o bar e a rua; pela Avenida de Mayo subia e descia agora uma multidão com pacotes e jornais e maletas, sobretudo maletas de tantas cores e tamanhos’.
Sugiro a releitura desse trecho quando você estiver numa das mesas do café.”
Trecho de ‘Buenos Aires, livro aberto’ João Correia Filho
Além dos cafés e bares, há outros tipos de atrações literárias em Buenos Aires que estão presentes nos itinerários do livro. O quarto habitado temporariamente pelo poeta espanhol Federico García Lorca, quando passou seis meses em Buenos Aires nos anos 1930, foi preservado pelo Hotel Castelar. Há, ainda, um edifício cujo projeto foi inspirado pela “Divina Comédia”, de Dante Alighieri, o Palácio Barolo. E há as livrarias, entre as quais estão algumas das mais belas do mundo, como a El Ateneo Grand Splendid, construída dentro de um teatro.
Por fim, o Parque Lezama, pouco lembrado em roteiros turísticos convencionais, é citado por ser o cenário de uma passagem da obra “Sobre Heróis e Tumbas”, de Ernesto Sabato. Segundo Correia Filho, além de ser bonito, o que o parque passa a ter de interessante com o guia literário “é a visão do Sabato sobre o parque, a história que ele conta, os personagens que visitaram aquele lugar. Os lugares ganham outra dimensão, mais poética, mais profunda” a partir da literatura.
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